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Podemos dizer que as sementes que germinaram e deram como fruto este livro, foram plantadas em 2014. De forma curiosa e, sem que uma soubesse do trabalho e/ou intenções das outras, o interesse em resgatar e registrar o ofício de raizeiros e chamar à atenção para à ameaça aos saberes tradicionais de um lado, e de outro, a vontade de desvendar a “árvore genealógica do conhecimento” a respeito das plantas medicinais do Cerrado, que culminaram no projeto “Raizeiros de Alto Paraíso: saberes ameaçados”.

Foi durante uma saída de campo realizado em outubro de 2014, atividade dentro do Projeto “Plantas Medicinais do Cerrado”, executado pelo Centro UnB Cerrado com seus bolsitas do Ensino Médio, acompanhados pelas professoras Íris Roitman, Mieko Kanegae e orientada pelo mateiro Zé Preto, do povoado de São Jorge, que o grupo ficou surpreso com o conhecimento demonstrado pelas estudantes Lailane Gonçalves e Sulene Francisco Pereira (ambas com 16 anos na época) sobre as plantas medicinais observadas. Tamanho conhecimento despertou a curiosidade da equipe sobre a forma de transmissão dos saberes tradicionais entre as gerações e quais eram os raizeiros que ainda exerciam o ofício na região. A partir de então a Professora Mieko e a estagiária Clara Carmoni começaram a buscar estratégias para levantar informações a respeito do tema. Também foram atrás de suporte financeiro para registro e exposição de imagens e vídeo sobre a história de vida dos detentores do conhecimento tradicional sobre plantas medicinais do Cerrado e de quintal, moradores da cidade.

No mesmo período, sem que se conhecessem, a Bióloga Daniela Ribeiro encaminhou à Universidade Federal de Goiás (UFG) um projeto de pós-graduação sobre o levantamento dos Raizeiros da região de Alto Paraíso de Goiás, Moinho, Sertão e São Jorge, com o objetivo de elaborar um Memento Fitoterápico sobre as plantas medicinais do Cerrado mais utilizadas entre os mesmos (projeto aprovado, mas não concluído), assim como a idealização de um encontro para reunir e promover a troca de saberes entre Raizeiros, Parteiras, Benzedeiras e Pajés na Chapada dos Veadeiros, aberto à população em geral, que já era um sonho mais antigo.

Em agosto de 2015, os ideais de Mieko, Clara e Daniela são fusionados num mesmo projeto, que intitula este livro. Vencedor do concurso do Edital 10/2015, o projeto que inclui, entre outras ações, o livro e parte do encontro é financiado pelo recurso do Fundo de Arte e Cultura da Secretaria de Educação, Cultura e Esporte do Estado de Goiás (SEDUCE). “Raizeiros de Alto Paraíso: saberes ameaçados” foi todo executado por moradores da cidade de Alto Paraíso de Goiás, Chapada dos Veadeiros, Brasil. Da pesquisa à filmagem, criação e execução de trilhas sonoras, fotografias, aquarela, poesias…

Durante a execução do Projeto, verificamos com antigos moradores que alguns raizeiros, outrora referência para a comunidade, já haviam falecido ou estavam com idade avançada (com poucas exceções), e que não tinham sucessores no ofício. Felizmente este cenário foi modificado ao final da pesquisa e podemos dizer que é um dos frutos deste projeto, o fato de que alguns filhos de raizeiros e membros da comunidade resolveram se empoderar de tal conhecimento e assumiram a intenção de sucederem os seus pais. Como exemplo, citamos o Wilson e a Deijanete, filhos de Dona Flor, Raizeira e Parteira tradicional. Outras pessoas da comunidade também se mostraram interessadas em se tornarem benzedores e benzedeiras, aprendizes de Dona Domingas. Outro fruto foi a inserção, como uma das atividade de cura, do benzimento que na programação semanal da Associação Holística de Alto Paraíso de Goiás. Durante o ano de 2017, toda quarta-feira, no período vespertino, foi aberto à comunidade o benzimento realizado por Dona Páscoa e Dona Domingas, Benzedeiras e também Rezadeiras de Alto Paraíso de Goiás.

Além do conhecimento sobre plantas medicinais, que é comum a todos os raizeiros, a fé, a conexão e o respeito com a natureza também são. Não basta apenas querer aprender sobre as ervas, mas todos esses “ingredientes” juntos fazem com que os raizeiros desenvolvam esse dom. São pessoas simples, humildes, que muito têm a ensinar. As pessoas os procuram por serem atenciosos, acolhedores, transmitirem confiança e, por muitas vezes trazerem soluções a problemas que há tempos não são encontradas.

Considerando esse saber ameaçado de desaparecimento, tanto pela idade dos seus atores, quanto pela falta de interesse ou falta de tempo da maioria dos filhos de darem continuidade a este legado; pela perseguição religiosa que, em alguns casos, angustia e amedronta, e ainda, por determinadas classes trabalhistas e alguns órgãos públicos que os perseguem, assim como pela ameaça de desaparecimento do Cerrado, santuário de onde são retiradas as matérias primas para execução desse notório saber, o presente trabalho realizou diversas atividades como: entrevista com 16 raizeiros, sendo cinco homens e 11 mulheres (quatro optaram em não serem documentadas) do município de Alto Paraíso de Goiás; exposição fotográfica e poética, além da produção do curta-metragem “Raizeiros: saberes ameaçados”, com 34 minutos de duração, que retrata um pouco da vida e obra desses cidadãos, patrimônio cultural imaterial da humanidade. Tanto o documentário quanto a exposição já foram divulgados para centenas de pessoas, dentre turistas e moradores, inclusive em eventos de grande circulação como: I Encontro de Raizeiros e Pajés na Chapada dos Veadeiros; VI Feira de Sementes e mudas da Chapada dos Veadeiros; Seminário Internacional de Gestão Integrada do Território; ENJAP – I: Encontro da Juventude de Alto Paraíso e o IV Encontro de Pesquisadores da Chapada dos Veadeiros, além das outras edições do RAÍZES.

Ao identificar espécies ameaçadas de extinção como o velame branco (Macrosiphonia velame e Macrosiphonia longiflora), que são muito úteis aos raizeiros e quase já não a encontram mais, e ainda, ao identificar as causas das desistências do ofício por parte de alguns, além da não continuidade da transmissão do conhecimento para os seus descendentes, compreendemos seus anseios e aflições, buscamos então resgatar e salvaguardar o que ainda resta destes saberes e fazeres, além de estimular as próximas gerações na perpetuação dos costumes tradicionais, desmistificando e quebrando preconceitos, por meio de ações propostas como: palestras, oficinas, exposições, entre outras que foram e estão sendo ofertadas para a comunidade em geral. Cada história, filmada e escrita, assim como as fotografias e receitas cedidas, tiveram autorização prévia e revisão de cada raizeiro.

Este pequeno livreto, de distribuição gratuita, simples no tamanho, mas grande em intenções, busca ser útil às famílias dos raizeiros e raizeiras, quando registra parte da memória viva de seus familiares; à comunidade científica quando realiza a identificação de espécies nativas de uso medicinal, assim também quando salvaguarda e difunde parte da história de um povo e, à comunidade em geral quando disponibiliza receitas úteis à saúde de toda a população.

Daniela, Mieko e Clara.

Baixe o Livro (favor citar a fonte):
https://drive.google.com/open?id=1s9RUDkZ7NYnrqtDFWAnSCysoVN4-ocWw